Introdução
A delimitação da competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (JEFP) ganha contornos relevantes quando a demanda traz, no polo passivo, não só os entes contemplados no art. 5º, II, da Lei 12.153/2009, mas também pessoas naturais ou jurídicas de direito privado.
A discussão afeta diretamente a efetividade do acesso à Justiça em causas de até 60 salários mínimos, nas quais a celeridade e a economia processual são fins constitucionais (art. 98, I, CF/1988).
O presente artigo visa analisar a possibilidade jurídica dessa formação, com base na legislação, nos precedentes do STJ e dos Tribunais de Justiça, em especial TJSP, TJRJ e TJMG, além de destacar que enunciados administrativos não podem se sobrepor ao texto legal.
1. Base normativa da competência dos JEFP
O art. 2º da Lei 12.153/2009 fixa a competência dos JEFP para causas de interesse fazendário até 60 salários mínimos e, no § 4º, atribui-lhe natureza absoluta.
O art. 5º, II, lista quem pode figurar como réu, mas não proíbe o litisconsórcio com terceiros.
Por força do art. 27 da mesma lei, aplicam-se subsidiariamente o CPC/2015 (art. 113) e a Lei 9.099/1995, cujo art. 10 admite litisconsórcio, embora vede a intervenção de terceiros.
Assim, o silêncio normativo autoriza a formação de litisconsórcio passivo necessário ou facultativo entre ente público legitimado e particular.
2. Litisconsórcio passivo: fundamento legal e doutrinário
O litisconsórcio unitário ou simples serve à coerência decisória e à economia processual. Fredie Didier Jr. observa que, em juízo de competência absoluta ratione personae, “a atração opera em favor do foro especial, não contra ele”, evitando decisões conflitantes.
Alexandre Freitas Câmara complementa: excluir o particular do polo passivo implicaria violar o devido processo legal, pois a sentença não produziria efeitos plenos contra todos os interessados.
3. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça
O STJ firmou entendimento ampliativo no âmbito dos Juizados Especiais Federais, aplicável por simetria aos JEFP:
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CC 93.448/SC (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 09/06/2008) – presença de Estado-membro em litisconsórcio passivo não desloca a causa para a Justiça comum; prevalece o critério do ente federal e da especialidade.
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CC 73.000/RS (Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 03/09/2007) – pessoa jurídica de direito privado pode compor o polo passivo junto à União sem afastar a competência do Juizado, desde que respeitado o teto de alçada.
Ao interpretar o art. 6º, II, da Lei 10.259/2001 de forma teleológica, o Tribunal concluiu que o valor da causa, e não a natureza do litisconsorte, é fator decisivo.
4. Teses vinculantes nos tribunais estaduais
Tribunal | Instrumento | Tese fixada | Data | Status |
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TJMG | IRDR 1.0000.20.503361-6 | O litisconsórcio passivo com pessoas não listadas no art. 5º não derroga a competência absoluta do JEFP. | 26/04/2023 | Vinculante em MG |
TJRJ | IAC 0051597-13.2017.8.19.0000 | É admissível litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre ente público e particular nos JEFP. | 2019 | Vinculante no RJ |
TJSP | Confl. Comp. 0013955-69.2021.8.26.0000 | Litisconsórcio DETRAN + particular não afasta competência do JEFP paulista. | 14/05/2021 | Precedente persuasivo |
Tanto o IRDR mineiro quanto o IAC fluminense reconheceram que a competência é definida ratione personae: basta a presença de um ente público legitimado para atrair o feito ao Juizado.
5. Impactos práticos e benefícios
Manter o processo no JEFP evita a propositura de ações paralelas e decisões contraditórias, prestigiando a economia e a efetividade (art. 4º, CPC). Além disso, garante a observância do princípio da celeridade, pois o rito especial impede a perpetuação de litígios de baixo valor econômico. Para a Fazenda Pública, concentrar demandas reduz custos e facilita acordos, conforme a política de autocomposição prevista nos arts. 25-29 da Lei 13.140/2015.
6. Supremacia da Lei sobre Enunciados
Importante destacar que enunciados de fóruns e turmas recursais têm caráter orientativo, não podendo restringir direitos ou criar impedimentos processuais não previstos em lei. A jurisprudência, inclusive do STJ, já firmou entendimento de que atos normativos infralegais não podem se sobrepor ao conteúdo legal, em consonância com o princípio da legalidade (CF, art. 5º, II).
Conclusão
À luz da legislação aplicável, da doutrina majoritária e, sobretudo, da jurisprudência uniforme do STJ e dos tribunais estaduais, conclui-se que o litisconsórcio passivo entre entes públicos legitimados e particulares não afasta a competência absoluta do Juizado Especial da Fazenda Pública, desde que respeitado o teto de 60 salários mínimos e inexistam as exceções do § 1º do art. 2º da Lei 12.153/2009.
A adoção desse entendimento promove a isonomia, evita decisões conflitantes e concretiza o acesso à Justiça, recomendando-se que advogados e operadores do direito optem pela via dos JEFP sempre que preenchidos os requisitos legais, sem hesitar diante da presença de réus particulares.