Introdução
A legitimidade ativa das sociedades individuais de advocacia para atuar no polo ativo de demandas perante o Juizado Especial Cível (JEC) e o Juizado Especial da Fazenda Pública (JEFAZ) envolve a análise detalhada do enquadramento tributário e registral dessas sociedades.
A principal questão em debate é se tais sociedades, mesmo quando classificadas no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) como de porte “demais”, podem ser consideradas como microempresas (ME) ou empresas de pequeno porte (EPP) para fins de atuação nos Juizados Especiais.
Este artigo busca demonstrar que, ainda que conste no CNPJ a expressão “demais”, a sociedade individual de advocacia, quando optante pelo Simples Nacional, possui legitimidade ativa para demandar nos Juizados Especiais, uma vez que está devidamente enquadrada como ME ou EPP, conforme os parâmetros estabelecidos pelo regime do Simples Nacional.
Enquadramento como ME ou EPP e o Papel dos Órgãos de Registro
O enquadramento de uma pessoa jurídica como microempresa ou empresa de pequeno porte é uma competência atribuída exclusivamente aos órgãos de registro, como o Registro Civil de Pessoas Jurídicas (RCPJ) e as Juntas Comerciais.
Esses órgãos são responsáveis por determinar, conforme os critérios previstos na Lei Complementar n.º 123/2006, se uma sociedade é classificada como ME ou EPP, levando em consideração o faturamento bruto anual da empresa.
No caso das sociedades individuais de advocacia, seu registro é realizado perante a OAB, que não possui a obrigação de classificar formalmente o porte da empresa em seus documentos de registro ou no CNPJ.
Assim, ao cadastrar o CNPJ, essas sociedades são automaticamente qualificadas como “demais” pela Receita Federal.
Trata-se de uma classificação meramente administrativa, que não deve obstar a sua adequação ao Simples Nacional nem o reconhecimento da condição de ME ou EPP para efeitos legais e tributários.
Diferentemente das empresas mercantis, cujo objetivo é a exploração de atividades econômicas voltadas para o lucro, a sociedade individual de advocacia não possui caráter mercantilista.
Sua finalidade é a prestação de serviços advocatícios, com foco na defesa de direitos e interesses dos clientes, e não a busca de lucro como fim primordial. Essa diferença é crucial para entender que o enquadramento administrativo como “demais” não implica que a sociedade de advocacia seja uma empresa de médio ou grande porte, mas sim que ela está sujeita a uma classificação genérica que não corresponde à sua realidade econômica e jurídica.
O Regime do Simples Nacional e a Equiparação às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
O Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar n.º 123/2006, é um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte.
O objetivo desse regime é simplificar as obrigações tributárias e estimular a formalização e o crescimento dos pequenos negócios, garantindo-lhes tratamento diferenciado e favorecido.
As sociedades individuais de advocacia podem optar pelo Simples Nacional, desde que cumpram os requisitos de faturamento anual estabelecido para ME e EPP.
Assim, a adesão ao Simples Nacional assegura a equiparação dessas sociedades à condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, garantindo-lhes o direito de acessar os benefícios legais destinados a esses tipos empresariais, inclusive o acesso aos Juizados Especiais.
É importante destacar que, mesmo que o porte no CNPJ seja descrito como “demais”, tal indicação não reflete a real situação econômica da sociedade individual de advocacia optante pelo Simples Nacional.
O enquadramento no Simples Nacional prevalece sobre a classificação administrativa, determinando a condição jurídica da sociedade como ME ou EPP.
Legitimidade Ativa no Juizado Especial Cível e no Juizado da Fazenda Pública
A Lei n.º 9.099/1995, que regulamenta os Juizados Especiais Cíveis, e a Lei n.º 12.153/2009, que rege os Juizados Especiais da Fazenda Pública, dispõem que podem litigar no polo ativo pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte.
O intuito dessas leis é proporcionar um acesso facilitado ao Judiciário, possibilitando que litígios de menor complexidade e de menor valor econômico sejam resolvidos de forma célere e eficiente.
No caso das sociedades de advocacia optantes pelo Simples Nacional, o enquadramento formal como ME ou EPP é realizado pelos órgãos de registro, enquanto a classificação de porte como “demais” no CNPJ é decorrente de uma limitação administrativa.
No entanto, essa classificação não impede o reconhecimento da condição de ME ou EPP, desde que os requisitos de faturamento sejam cumpridos e a sociedade esteja devidamente inscrita no Simples Nacional.
Doutrina e Jurisprudência
A doutrina tem reconhecido que o enquadramento de uma sociedade individual de advocacia no Simples Nacional assegura a ela os direitos e prerrogativas previstas para as ME e EPP.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, o regime tributário diferenciado confere às sociedades enquadradas no Simples Nacional um tratamento jurídico simplificado, o que inclui o direito de litigar nos Juizados Especiais, desde que preenchidos os requisitos de faturamento.
Nossos tribunais Estaduais tem diversos precedentes corroborando tal assertiva, senão vejamos:
Ação que visa declaração de inexigibilidade de dívida, cumulada com indenização por dano moral e devolução de indébito, ajuizada por sociedade individual de advocacia. Sentença que extingue o processo sem apreciação do mérito, declarando a autora parte ilegítima para pleitear perante os Juizados Especiais. Sociedade unipessoal comprovada pela documentação acostada, que se equipara à Microempresa e empresa unipessoal. Precedentes. Sentença reformada. (TJ-SP – Recurso Inominado Cível: 1015643-79.2022.8.26.0011 São Paulo, Relator: Teresa Cristina Castrucci Tambasco Antunes, Data de Julgamento: 19/12/2023, 2ª Turma Recursal Cível, Data de Publicação: 19/12/2023)
RECURSO INOMINADO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR INCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS EM RAZÃO DA PESSOA. SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA. POSSIBILIDADE DOS ADVOGADOS EM SE REUNIREM EM SOCIEDADE SIMPLES E UNIPESSOAL DOTADAS DE PERSONALIDADE JURÍDICA. PREVISÃO LEGAL. ARTIGO 15 DO ESTATUTO DA OAB (LEI Nº 8.906/94). EQUIPARAÇÃO, POR ANALOGIA, À MICROEMPRESA INDIVIDUAL. LEGITIMIDADE ATIVA. ARTIGO 8º, § 1º, II DA LEI Nº 9.099/95. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS AO JUIZADO DE ORIGEM. Recurso conhecido e provido. (TJPR – 3ª Turma Recursal – 0030010-81.2019.8.16.0182 – Curitiba – Rel.: Juiz Leo Henrique Furtado Araújo – J. 18.11.2019). (TJ-PR – RI: 00300108120198160182 PR 0030010-81.2019.8.16.0182 (Acórdão), Relator: Juiz Leo Henrique Furtado Araújo, Data de Julgamento: 18/11/2019, 3ª Turma Recursal, Data de Publicação: 18/11/2019)
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. PEDIDO DE RETIFICAÇÃO DO POLO ATIVO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, EM RAZÃO DA ILEGITIMIDADE ATIVA. INSURGÊNCIA DO EXEQUENTE. ACOLHIMENTO. CONTRATO FIRMADO COM SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA. DEMANDA ORIGINARIAMENTE AJUIZADA PELO SÓCIO TITULAR. SOCIEDADE UNIPESSOAL QUE RESULTA DA CONCENTRAÇÃO DAS COTAS SOCIETÁRIAS POR UM ÚNICO ADVOGADO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRECEDENTES DAS TURMAS RECURSAIS. POSSIBILIDADE, ADEMAIS, DE SOCIEDADE DE ADVOCACIA LITIGAR NOS JUIZADOS ESPECIAIS, DESDE QUE TENHA ENQUADRAMENTO COMO MICROEMPRESA OU EMPRESA DE PEQUENO PORTE. EXEGESE DO ART. 8º, § 1º, II, DA LEI N. 9.099/95 E LC 123/2006. PRECEDENTES DO E.TJSC. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, RECURSO CÍVEL n. 5000923-59.2020.8.24.0045, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Brigitte Remor de Souza May, Terceira Turma Recursal, j. 13-12-2023). (TJ-SC – RECURSO CÍVEL: 5000923-59.2020.8.24.0045, Relator: Brigitte Remor de Souza May, Data de Julgamento: 13/12/2023, Terceira Turma Recursal)
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA. LEGITIMIDADE ATIVA. ENQUADRAMENTO NO SIMPLES NACIONAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA ANULADA. 1. Acórdão lavrado de acordo com a disposição inserta nos artigos 2º e 82, § 5º, da Lei 9.099, de 26.09.1995 e artigo 60, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno das Turmas Recursais. Presentes os pressupostos específicos, conheço do recurso. 2. Trata-se de Recurso Inominado interposto pela autora/recorrente em face da sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito por entender que o fato de constar no comprovante de situação cadastral o porte da empresa recorrente como ?demais? a desqualifica como empresa de pequeno porte ou microempresa, requisito para legitimá-la a propor ação perante os juizados especiais. 3. Em razões recursais a recorrente, preliminarmente, aduz que não houve boa-fé objetiva por parte do magistrado sentenciante, bem como não foram analisadas as provas acostadas aos autos. Afirma que a nomenclatura ?demais? em seu cartão do CNPJ não a qualifica como empresa de médio ou grande porte, tendo sido anexado aos autos termo de deferimento da recorrente ao Simples Nacional. Ressalta que para ser enquadrada no Simples Nacional é necessário enquadrar-se na definição de microempresa ou empresa de pequeno porte, o que se pode aferir ante o deferimento da empresa no sistema de tributação mencionado. Por fim, registra que houve má valoração das provas anexadas. Pugna pela anulação da sentença a fim de que o feito prossiga. 4. Não há contrarrazões, uma vez que não angularizada a relação processual. 5. O art. 15, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) dispõe que os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada em lei. 6. A Lei Federal nº 13.247/2016 criou a Sociedade Unipessoal de Advogado ou Sociedade Individual de Advogados, conferindo conceito semelhante ao Empresário Individual com Responsabilidade Limitada a fim de permitir que os advogados possam atuar como pessoa jurídica, sem a necessidade de constituir uma sociedade. Na prática, o que difere um do outro, é o faturamento da empresa. 7. Ainda, o art. 18, § 5º-C, VII da Lei Complementar nº 123/2006 dispõe que as atividades de prestação de serviços advocatícios serão tributadas na forma do Simples Nacional, excluído a Contribuição Patronal Previdenciária para a Seguridade Social, bem como considera como microempresa ou empresa de pequeno porte a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966, do Código Civil. 8. Em que pese constar no documento de ID 162188732 o porte da empresa como ?demais?, consta nos autos comprovante de que a recorrente atende às normas exigidas para compor a polaridade ativa da ação, uma vez que para integrar o Simples Nacional a empresa deve ser enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, a teor do que exige o art. 8º, § 1º, inciso II da Lei 9.099/95, o que se pode observar pelo documento de ID 49128527. 9. A Lei nº 8.906/1994 prevê duas opções de sociedades para advogados: a sociedade simples de prestação de serviços de advocacia e a sociedade unipessoal de advocacia, não admitindo enquadramento como ME ou EPP, uma vez que somente compete aos RCPJ?s (Registro Civil de Pessoa Jurídica) e às Juntas Comerciais fazer tal enquadramento. Por esse motivo, ao cadastrar o CNPJ, a sociedade de advocacia recebe a menção de porte como ?demais?, o que não obsta sua adequação ao Simples Nacional, que é um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. 10. Assim, configurada a legitimidade ativa da recorrente, deve a sentença ser anulada. 11. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à instância de origem a fim de dar prosseguimento ao feito. 12. Sem custas nem honorários (Lei n. 9099/95, Art. 55). (TJ-DF 07324312620238070016 1742964, Relator: ANTONIO FERNANDES DA LUZ, Data de Julgamento: 14/08/2023, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: 29/08/2023)
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a sociedade individual de advocacia, mesmo quando cadastrada no CNPJ com a classificação de porte “demais”, possui legitimidade ativa para demandar no polo ativo tanto no Juizado Especial Cível quanto no Juizado Especial da Fazenda Pública, desde que seja optante pelo Simples Nacional e atenda aos requisitos de faturamento para ser considerada ME ou EPP.
O Simples Nacional, sendo um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos, constitui critério qualificador suficiente para assegurar os direitos das sociedades nele enquadradas, incluindo o acesso aos Juizados Especiais. Qualquer interpretação que impeça esse direito seria contrária ao espírito do legislador de promover a inclusão e a desburocratização das microempresas e empresas de pequeno porte no sistema judicial brasileiro.