A proteção dos segredos processuais é um tema de extrema relevância no âmbito do direito penal e processual. Em especial, a Lei n.º 9.296/96, que regula as interceptações telefônicas, introduz no artigo 10 um tipo penal que prevê duas formas distintas de conduta delituosa relacionadas ao segredo de justiça. Neste artigo, discutiremos os dois núcleos de ação contidos no dispositivo legal, diferenciando suas especificidades, sujeitos ativos e os bens jurídicos protegidos.
O Crime de Interceptação sem Autorização Judicial
O primeiro núcleo de ação descrito no artigo 10 refere-se à interceptação de comunicações sem a devida autorização judicial. Trata-se de um delito comum, o que significa que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime – seja um funcionário público ou um particular. Essa conduta viola direitos fundamentais como o direito à privacidade e a inviolabilidade das comunicações, e, por isso, é considerada um ataque à administração da justiça e ao sigilo das comunicações.
A interceptação sem autorização judicial é punida severamente pela legislação, uma vez que representa uma ofensa direta ao direito à intimidade dos envolvidos e compromete a regularidade das investigações. Ao prever esse delito, a legislação busca desestimular a prática de grampos ilegais e proteger o direito dos cidadãos ao sigilo em suas comunicações privadas.
A Quebra do Segredo de Justiça como Delito Próprio e Funcional
O segundo núcleo de ação do artigo 10 trata da quebra do segredo de justiça. Esse crime é considerado um delito próprio e funcional, pois apenas determinadas pessoas podem praticá-lo: aqueles que têm o dever legal de guardar o segredo de justiça. Os sujeitos ativos, portanto, são Juízes de Direito, Promotores de Justiça, Delegados de Polícia, Defensores Públicos, agentes de concessionárias de serviço público, escrivães ou escreventes – ou seja, todos os que têm acesso a informações sigilosas em razão de suas funções públicas e têm a obrigação de preservá-las.
Esse tipo penal busca resguardar a administração da justiça, assegurando que informações sensíveis não sejam divulgadas indevidamente, comprometendo a imparcialidade do processo e os direitos dos envolvidos. Vale ressaltar que a divulgação não autorizada dessas informações, quando praticada por alguém que têm a obrigatoriedade do sigilo, é uma infração do dever funcional. Dessa forma, caracteriza-se como um crime de “infração de dever”, onde a obrigatoriedade de manter o sigilo é um elemento essencial do injusto penal.
E o Particular? A Repercussão da Divulgação Indevida
Cabe destacar que o particular que, eventualmente, compartilhe informações de um processo que tramita em segredo de justiça, e no qual é parte, não comete o crime previsto no artigo 10 da Lei nº 9.296/96. Nesses casos, o particular não tem o dever legal de sigilo imposto pelo dispositivo legal mencionado. Assim, a conduta de um particular que, por exemplo, compartilhe peças processuais com terceiros, quando muito, poderá caracterizar o delito previsto no artigo 154 do Código Penal, que trata da violação de segredo profissional.
O artigo 154 do Código Penal abrange a divulgação de informações sigilosas que foram confiadas ao agente em razão de sua profissão ou ocupação, e não decorre da relação de função pública. Portanto, enquanto o artigo 10 da Lei nº 9.296/96 trata da violação de segredo de justiça por agentes públicos no exercício de suas funções, o artigo 154 se aplica ao particular, desde que cumpridas as ementas típicas exigidas.
A Administração da Justiça como Bem Jurídico Protegido
Em ambos os casos, a administração da justiça é um dos principais bens jurídicos tutelados. O dever de manter o segredo é imprescindível para a segurança e efetividade dos processos judiciais e investigatórios, garantindo não apenas a privacidade dos envolvidos, mas também a proteção da integridade das decisões judiciais. A proteção do sigilo é essencial à manutenção da ordem jurídica, especialmente em processos que envolvem questões sensíveis e informações privadas.
Assim, a quebra do segredo de justiça por um agente público tem um impacto profundo na credibilidade do sistema de justiça, pois compromete a confiança da sociedade nas instituições e no sigilo das informações que deveriam ser preservadas. Já o particular que viole o segredo profissional poderá, se cumpridas as exigências legais, responder pelo crime do artigo 154 do Código Penal, ainda que não afete diretamente o processo de administração da justiça.
Conclusão
O crime de quebra de segredo de justiça previsto no artigo 10 da Lei nº 9.296/96 apresenta dois núcleos distintos de conduta: a interceptação sem autorização judicial e a divulgação indevida de informações cobertas por segredo de justiça. Enquanto o primeiro pode ser praticado por qualquer pessoa, o segundo é um delito próprio, funcional, e só pode ser cometido por aqueles que têm o dever legal de guardar o segredo.
Para os particulares, a divulgação indevida de informações processuais pode, eventualmente, caracterizar a violação de segredo profissional, prevista no artigo 154 do Código Penal, mas não a infração ao artigo 10 da Lei de Interceptações Telefônicas. Assim, a tipificação do crime depende tanto do autor da conduta quanto do dever legal de sigilo que lhe é imposto.