Juntada de Documentos em Processo Eletrônico: Dispensa Legal

A era digital transformou o Judiciário, e com ela, a necessidade de revisitar práticas cartorárias antes indispensáveis, como a juntada de documentos em processo eletrônico. A exigência de repetir o anexo de peças já existentes nos autos principais quando da criação de um incidente processual é um formalismo que vai na contramão da eficiência. Entender […]

Infográfico mostrando a diferença entre a juntada de documentos em processo físico e a dispensa em processo eletrônico.

Sumário

A era digital transformou o Judiciário, e com ela, a necessidade de revisitar práticas cartorárias antes indispensáveis, como a juntada de documentos em processo eletrônico.

A exigência de repetir o anexo de peças já existentes nos autos principais quando da criação de um incidente processual é um formalismo que vai na contramão da eficiência.

Entender a base legal para essa dispensa é crucial para uma advocacia mais célere e estratégica.

Este artigo defende a desnecessidade de tal prática, com base nos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas, e na aplicação analógica do Art. 1.017, § 5º, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), que revolucionou a forma como lidamos com os autos.

1. O Fim da Cópia: A Lógica por Trás da Dispensa de Documentos

A transição dos autos físicos para o meio digital, consolidada pela Lei nº 11.419/2006, não foi uma mera troca de papel por telas.

Ela representou uma mudança de paradigma, onde o acesso integral e instantâneo à informação processual se tornou a regra.

Nesse novo cenário, a lógica de “formar um instrumento” com cópias perdeu o sentido.

1.1. A Origem da Exigência no CPC/73: O Mundo dos Autos Físicos

No antigo Código de Processo Civil (CPC/73), os artigos 522 a 524 eram claros: o Agravo de Instrumento, processado em apartado, precisava ser instruído com cópias das peças essenciais.

A razão era óbvia: os autos físicos originais permaneciam na primeira instância, e o tribunal precisava de um “retrato” do processo para julgar o recurso.

A ausência de uma peça obrigatória resultava, muitas vezes, no não conhecimento do agravo. Essa era uma necessidade imposta pela limitação física do papel.

1.2. O Marco Legal do CPC/15: O Art. 1.017, § 5º

O Código de Processo Civil de 2015, atento a essa nova realidade, estabeleceu um divisor de águas no seu Art. 1.017, § 5º:

Art. 1.017. A petição de agravo de instrumento será instruída: (…) § 5º Sendo eletrônicos os autos do processo, dispensam-se as peças referidas nos incisos I e II do caput, facultando-se ao agravante anexar outros documentos que entender úteis para a compreensão da controvérsia.

Este dispositivo é a confirmação legal de que, em autos eletrônicos, a replicação de documentos é um ato redundante.

Se o tribunal tem acesso pleno ao processo principal, por que exigir que o advogado anexe novamente o que já está lá? A norma prestigia a eficiência e a lógica do ambiente digital.

2. Aplicando a Dispensa aos Incidentes Processuais: Uma Análise Prática

Se a lei é expressa quanto ao Agravo de Instrumento, o mesmo racional deve ser aplicado, por analogia, a todos os demais incidentes vinculados a um processo principal eletrônico, como cumprimentos de sentença, embargos de terceiro ou exceções de pré-executividade.

2.1. A Analogia com o Agravo de Instrumento Eletrônico

Os sistemas processuais modernos (PJe, e-SAJ, Eproc, etc.) vinculam eletronicamente os incidentes aos autos principais.

Magistrados, servidores e advogados podem navegar entre o processo principal e o incidente com um único clique.

Exigir que a parte realize o download de um documento do processo principal para, em seguida, fazer o upload no incidente vinculado é uma tarefa que apenas consome tempo e aumenta o volume digital do processo sem qualquer benefício prático.

2.2. Quais Princípios Jurídicos Embasam a Desnecessidade?

A desnecessidade da juntada de documentos em processo eletrônico já existentes nos autos é amparada por princípios basilares do direito processual:

  • Instrumentalidade das Formas (Art. 188 e 277 do CPC): Se o ato de dar conhecimento da peça ao juízo já foi atingido pela sua presença nos autos principais, a finalidade foi cumprida.
  • Economia e Eficiência Processual (Art. 8º do CPC): Deve-se obter o máximo resultado com o mínimo de atos. Repetir a juntada é um ato processual inútil e oneroso.
  • Razoável Duração do Processo (Art. 5º, LXXVIII, CF): A burocracia desnecessária é inimiga da celeridade.
  • Cooperação e Boa-Fé (Art. 5º e 6º do CPC): Espera-se que as partes colaborem para uma solução de mérito rápida e justa, o que inclui evitar a prática de atos meramente protelatórios ou inúteis.

Caixa de Destaque: Pontos-Chave

  • CPC/15: O Art. 1.017, § 5º, dispensa a juntada de peças no Agravo de Instrumento eletrônico.
  • Analogia: O mesmo raciocínio se aplica a todos os incidentes processuais eletrônicos.
  • Princípios: A dispensa é amparada pela economia processual, instrumentalidade e eficiência.
  • Objetivo: Focar no mérito e garantir um processo mais ágil e menos burocrático.

3. Como Agir no Dia a Dia Forense? Recomendações e Jurisprudência

Embora a lógica e a lei apontem para a dispensa, a ausência de uma norma explícita para todos os incidentes pode gerar insegurança.

Contudo, a jurisprudência já vem consolidando esse entendimento. Para saber mais sobre a digitalização do judiciário, leia nosso artigo sobre o que é o Processo Judicial Eletrônico (PJe).

3.1. O que dizem os Tribunais? Análise de Precedentes

Decisões recentes reforçam que o formalismo excessivo não tem lugar no processo eletrônico.

Tribunais de todo o país têm afastado preliminares de não conhecimento por ausência de peças quando os autos são digitais.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR ARGUIDA EM CONTRAMINUTA. Ausência de peça obrigatória (decisão agravada). Afastamento. Autos eletrônicos. Desnecessária a juntada das peças obrigatórias e facultativas, nos termos do artigo 1.017, § 5º, do Código de Processo Civil. (…) Recurso não provido. (TJ-SP – AI: 22667884120248260000, Relator: JAIRO BRAZIL, 19ª Câmara de Direito Privado, Julgamento: 14/10/2024)

RECURSO – AGRAVO DE INSTRUMENTO (…) Agravado que suscita irregularidade formal pela ausência de juntada de peças obrigatórias. Descabimento. Desnecessidade da juntada de procuração das partes, tratando-se de autos digitais, viável a consulta dos documentos nos autos de origem. Matéria preliminar afastada. (…) Recurso de agravo de instrumento não provido. (TJ-SP – AI: 21394802220248260000, Relator: Marcondes D’Angelo, 25ª Câmara de Direito Privado, Julgamento: 17/06/2024)

Embora focados no Agravo, o fundamento — a total acessibilidade dos autos eletrônicos — é o mesmo e perfeitamente aplicável aos demais incidentes.

3.2. Dicas Práticas para Advogados e Serventuários

Para garantir a eficiência e evitar despachos desnecessários, adote as seguintes posturas:

  • Para Advogados: Ao protocolar um incidente, em vez de anexar novamente os documentos, faça uma menção expressa na petição, indicando o ID ou o evento da peça nos autos principais. Invoque o Art. 1.017, § 5º, do CPC, por analogia, e os princípios da economia e instrumentalidade.
  • Para Magistrados e Serventuários: Privilegiar a consulta direta aos autos principais, evitando despachos que exijam a repetição de documentos, salvo em situações excepcionalíssimas em que a organização do feito seja realmente prejudicada.

Se você já teve alguma experiência, positiva ou negativa, com essa questão em algum tribunal do país, comente abaixo e compartilhe seu conhecimento!

Conclusão: Por um Processo Eletrônico Desburocratizado e Efetivo

A desnecessidade de juntada de documentos já existentes nos autos principais quando da criação de incidentes é uma consequência lógica da natureza do processo eletrônico. Insistir nessa prática é apegar-se a um formalismo superado que apenas gera lentidão e custos.

A correta aplicação do CPC/15, especialmente do espírito do Art. 1.017, § 5º, alinhada aos princípios constitucionais e processuais, é o caminho para uma Justiça mais focada na resolução do mérito, eficiente e alinhada às expectativas da sociedade na era digital.

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