A prova pericial é um instrumento essencial no processo judicial brasileiro, especialmente em demandas que exigem conhecimento técnico especializado.
Nesse contexto, o assistente técnico desempenha papel fundamental ao auxiliar a parte que representa na análise e interpretação da perícia.
Uma questão recorrente é a possibilidade de comunicação direta entre parte, advogado e assistente técnico com o perito judicial nomeado pelo Juiz.
Este artigo visa esclarecer os fundamentos legais e éticos que regem essa interação, destacando os limites impostos pela legislação, pelos conselhos de classe e pelas normas penais.
1. Dispositivos Legais e Normativos
O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 estabelece as diretrizes para a atuação de peritos e assistentes técnicos.
O artigo 466, § 2º, assim dispõe:
§ 2º O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.
O art. 473, § 3º, autoriza quesitos e assistentes técnicos, mas não detalha como se dara tais interações com o perito.
Ou seja, o CPC autoriza expressamente a atuação ativa do assistente técnico, que pode:
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acompanhar a diligência pericial;
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apresentar quesitos;
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apresentar parecer técnico;
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comunicar-se diretamente com o perito, desde que dentro do contexto dos trabalhos técnicos e com ciência da parte adversa e/ou do juízo, evitando-se qualquer aparência de ingerência indevida.
Já quanto ao advogado, o Código de Ética e Disciplina da OAB (art. 2º, inciso II) impõe ao advogado o dever de agir com honestidade, vedando condutas que comprometam o processo.
2. Doutrina
Humberto Theodoro Júnior ensina:
“É legítima a comunicação entre assistente técnico e perito judicial, desde que essa relação seja mantida com finalidade técnica e em consonância com os princípios do contraditório e da publicidade.” (Curso de Direito Processual Civil, vol. II, 64ª ed.)
Já, Fredie Didier Jr., destaca que a comunicação entre parte e perito deve se limitar a esclarecimentos técnicos, sem influenciar o laudo:
“A imparcialidade do perito é um dos pilares da prova pericial” (DIDIER JR., Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm 2018, p. 345)
diz ainda:
“a atuação dos assistentes técnicos deve respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa, garantindo a paridade de armas no processo” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: Meios de prova e tutela provisória. Vol. 3. 19. ed. Salvador: Juspodivm, 2022, p. 241).
Ainda, Maria Helena Diniz, destaca que:
“a prova pericial deve ser objetiva e isenta, sendo vedada qualquer forma de influência externa que comprometa sua credibilidade” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Processual Civil Brasileiro: Volume 3. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 462).
3. Boas Práticas Processuais e Ética Profissional
Embora seja possível essa comunicação, recomenda-se que a parte mantenha transparência no processo, inclusive:
- Cientificando previamente o juízo sobre qualquer troca de informações relevantes;
- Evitando qualquer tentativa de interferência no conteúdo do laudo;
- Respeitando o contraditório, de forma que a outra parte também possa ter ciência dos esclarecimentos ou intercâmbios técnicos realizados.
Essas práticas seguem o art. 5º do CPC, que exige boa-fé e cooperação.
4. Limites Éticos e Legais: Vedação à Oferta de Vantagens e Provas Artificiais
Importante destacar que é vedado à parte, assistente técnico, advogado ou ao perito:
- Oferecer qualquer tipo de vantagem indevida com o intuito de influenciar o conteúdo do laudo;
- Encaminhar ao perito provas artificiais ou documentos que não constam dos autos;
- Omitir ou fraudar informações relevantes à apuração técnica.
A prática desses atos pode configurar crimes, tais como:
- Falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal);
- Corrupção passiva (art. 317 do Código Penal);
- Corrupção Ativa (art. 333 do Código Penal);
- Coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal);
- Fraude processual (art. 347 do Código Penal).
Além disso, se o advogado da parte participar de tais condutas, poderá incorrer em infração ética conforme o art. 2º, II, do Código de Ética e Disciplina da OAB, que determina ser dever do advogado “velar por sua reputação pessoal e profissional e pugnar pela dignidade da profissão e da advocacia”.
No âmbito da psicologia, o Conselho Regional de Psicologia (CRP) desempenha um papel crucial ao garantir o cumprimento de padrões éticos, conforme estabelecido no Código de Ética Profissional do Psicólogo (Resolução CFP nº 10/2005).
Este código exige que os psicólogos atuem com imparcialidade e transparência.
O artigo 2º determina que o profissional deve “basear seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano”, enquanto o artigo 9º proíbe “utilizar-se de sua posição profissional para obter vantagens pessoais ou para prejudicar terceiros”.
Considere, por exemplo, um psicólogo atuando como perito judicial em um processo de família.
Se uma das partes solicitar uma reunião privada para discutir o caso fora dos autos, o psicólogo deve recusar tal pedido.
Essa recusa está alinhada com os artigos 2º e 9º do Código de Ética, pois aceitar a reunião comprometeria a imparcialidade e poderia sugerir favorecimento.
Uma violação dessas normas poderia resultar em sanções pelo CRP, como advertência ou suspensão da licença, dependendo da gravidade.
Esse exemplo reforça a importância de aderir às diretrizes éticas em contextos judiciais sensíveis.
A observância das boas práticas não apenas garante a validade da prova pericial, mas também protege os envolvidos contra eventuais sanções penais e disciplinares.
5. Considerações Finais
Embora não seja vedada, e, portanto, possível essa comunicação entre partes, advogado, assistente tecnico com o perito, recomenda-se transparência, inclusive:
- Cientificando previamente o juízo sobre qualquer troca de informações relevantes;
- Evitando qualquer tentativa de interferência no conteúdo do laudo, seja na produção artificial de provas, seja na promessa de vantagem financeira;
- Respeitando o contraditório, de forma que a outra parte também possa ter ciência dos esclarecimentos ou intercâmbios técnicos realizados.
Essas práticas seguem o art. 5º do CPC, que exige boa-fé e cooperação entre todas as partes no processo.
Condutas como oferecer vantagens ou alterar provas são crimes e infrações éticas.
A atuação ética de todos, especialmente aquela do perito é crucial para a justiça no processo civil brasileiro.