Em 2019, o então presidente Jair Messias Bolsonaro editou a Medida Provisória n.º 881, que posteriormente foi convertida na Lei Federal n.º 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica.
Esta legislação trouxe significativas mudanças no cenário econômico brasileiro, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico e desburocratizar o empreendedorismo, especialmente para atividades de baixo risco.
Princípios e Objetivos da Lei
A Lei da Liberdade Econômica estabelece uma série de direitos e garantias para empreendedores, visando simplificar processos e reduzir a intervenção estatal em atividades econômicas de baixo risco.
O artigo 3º, inciso I, da Lei n.º 13.874/2019, assegura o direito de toda pessoa, física ou jurídica, de desenvolver atividade econômica de baixo risco sem a necessidade de atos públicos de liberação, desde que a atividade seja exercida em propriedade privada própria ou de terceiros consensuais.
Classificação de Atividades de Baixo Risco
A classificação das atividades de baixo risco é um ponto crucial da lei.
Na ausência de legislação específica em nível estadual, distrital ou municipal, aplica-se a Resolução n.º 51/2019, com redação dada pela Resolução n.º 57/2020, que define quais atividades são consideradas de baixo risco.
O artigo 5º da Resolução nº 51/2019 define como de baixo risco (nível I) diversas atividades, incluindo as advocatícias e contábeis.
A consequência direta dessa classificação é a desnecessidade de alvará de localização e funcionamento, eliminando a cobrança da taxa correspondente.
Implicações Tributárias e Legais
Uma das principais implicações da Lei da Liberdade Econômica é a dispensa de atos públicos para a liberação de atividades de baixo risco, o que inclui a isenção de taxas como a de Alvará de Licença para Localização e Funcionamento.
Essa dispensa é fundamentada no fato de que, se não há fiscalização estatal necessária, não há justificativa para a cobrança de taxas vinculadas a essa fiscalização.
Ausência de Subsunção do Fato à Norma
A cobrança indevida da taxa fere o princípio da legalidade tributária.
A taxa, tributo vinculado a uma atividade estatal específica, pressupõe a efetiva prestação de um serviço público diretamente ao contribuinte.
No caso das atividades de baixo risco, a dispensa de atos públicos de liberação implica a ausência do fato gerador que justificaria a cobrança da taxa.
Como bem define Geraldo Ataliba, a taxa somente é devida quando há uma atuação estatal direta e imediatamente referida ao obrigado.
Se o serviço de fiscalização não é realizado, como previsto na Lei nº 13.874/2019 para atividades de baixo risco, a cobrança da taxa perde seu fundamento.
Jurisprudência e Aplicação Prática
A jurisprudência tem confirmado a aplicação da Lei da Liberdade Econômica em casos concretos.
Decisões judiciais, como as proferidas nossos tribunais estaduais, têm reiterado que a cobrança de taxas de localização e funcionamento para atividades de baixo risco, como escritórios de advocacia, contabilidade, etc, é indevida.
Ilustrando:
TRIBUTÁRIO – RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – SENTENÇA PROFERIDA NOS LIMITES DOS PEDIDOS DA EXORDIAL – INEXISTÊNCIA DE DECISÃO EXTRA/ULTRA PETITA – COBRANÇA DE TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA (ATIVIDADE DE BAIXO RISCO) – IMPOSSIBILIDADE – BENESSE DO ART. 3º, INCISO I, DA LEI FEDERAL N.º 13.874/2019 – ABUSIVIDADE OU ILEGALIDADE PERPETRADA PELA AUTORIDADE INDIGITADA COMO COATORA CONSTATADA – VIOLAÇÃO AO DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO – ORDEM CONCEDIDA – SENTENÇA RATIFICADA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Se ao sentenciar o Magistrado observou os limites dos pedidos deduzidos na inicial, não há que se falar em decisão ultra ou extra petita, e nem em violação aos artigos 141 e 492, do Código de Processo Civil. Com a entrada em vigor da Lei Federal n.º 13.874/2019, as pessoas físicas ou jurídicas passaram a ter o direito de desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos para liberação do funcionamento. Se o serviço de fiscalização não vai ser realizado pelo Ente Municipal, conforme previsto no artigo 3, inciso I da Lei Federal n.º 13.874/2019, não há que se falar em cobrança da taxa, uma vez que esse tributo é vinculado à uma atividade do Estado. Nos termos da Resolução nº 51/2019 do Ministério da Economia, o exercício da advocacia é considerado atividade de baixo risco, sendo dessa forma, dispensada de exigência de atos públicos municipais de liberação para início e/ou continuidade da operação ou funcionamento, sendo, dessa forma dispensado do pagamento da taxa do poder de polícia relativa ao funcionamento e localização. Configurada a violação ao direito líquido e certo, bem como a abusividade ou ilegalidade perpetrada pela autoridade indigitada como coatora, de rigor a concessão do mandado de segurança. Sentença que concedeu a segurança mantida. (TJ-MT 10025444120198110051 MT, Relator: MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 20/04/2021, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 26/04/2021).
APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – COBRANÇA DE TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA (ATIVIDADE DE BAIXO RISCO) – IMPOSSIBILIDADE – BENEFÍCIO DO ART. 3º, INCISO I, DA LEI FEDERAL N.º 13.874/2019 – ABUSIVIDADE OU ILEGALIDADE PERPETRADA PELA AUTORIDADE INDIGITADA COMO COATORA CONSTATADA – VIOLAÇÃO AO DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO – ORDEM CONCEDIDA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. “Nos termos da Resolução nº 51/2019 do Ministério da Economia, o exercício da advocacia é considerado atividade de baixo risco, sendo dessa forma, dispensada de exigência de atos públicos municipais de liberação para início e/ou continuidade da operação ou funcionamento, sendo, dessa forma dispensado do pagamento da taxa do poder de polícia relativa ao funcionamento e localização.” (N.U 1002544- 41.2019.8.11.0051, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 20/04/2021, Publicado no DJE 28/04/2021). 2. Recurso conhecido e provido. (TJ-MT, Recurso de Apelação nº 1001870 69.2022.8.11.0015 Relator Desembargador MARCIO VIDAL, data do Julgamento 07/11/2023, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo Data da Publicação 01/12/2023)
Essas decisões se baseiam no entendimento de que, sem a necessidade de autorização pública para o funcionamento, não há fato gerador para a cobrança da taxa.
Considerações Finais
A Lei da Liberdade Econômica representa um marco na desburocratização do ambiente de negócios no Brasil, especialmente para pequenos empreendedores e atividades de baixo risco.
Ao eliminar a necessidade de atos públicos de liberação, a lei não apenas reduz custos, mas também incentiva a formalização e o crescimento econômico.
As municipalidades devem, portanto, ajustar suas práticas para se alinhar a essa nova realidade legal, abstendo-se de cobrar taxas indevidas e respeitando os direitos assegurados pela legislação federal.
Essa mudança de paradigma é essencial para criar um ambiente mais favorável ao empreendedorismo, promovendo a inovação e a competitividade no mercado brasileiro.