A Desnecessidade da Declaração de Hipossuficiência em Documento Apartado: A Observância ao CPC e o Combate ao Formalismo Excessivo

Resumo O presente artigo discute a desnecessidade da apresentação de declaração de hipossuficiência em documento apartado, sendo suficiente sua formulação pelo advogado com poderes especiais em qualquer peça processual. Com base nos artigos 99 e 105 do Código de Processo Civil, bem como na doutrina e em precedentes jurisprudenciais, argumenta-se que a exigência de documento […]

Desnecessidade de declaração apartada de hipossuficiência no CPC

Sumário

Resumo

O presente artigo discute a desnecessidade da apresentação de declaração de hipossuficiência em documento apartado, sendo suficiente sua formulação pelo advogado com poderes especiais em qualquer peça processual.

Com base nos artigos 99 e 105 do Código de Processo Civil, bem como na doutrina e em precedentes jurisprudenciais, argumenta-se que a exigência de documento apartado constitui formalismo excessivo, contrariando o atual estágio da processualística brasileira.

1. Introdução

A gratuidade da justiça é um direito fundamental previsto no ordenamento jurídico brasileiro, garantindo o acesso à tutela jurisdicional àqueles que não possuem condições financeiras para arcar com as custas processuais e honorários advocatícios.

Entretanto, um problema recorrente na prática forense é a exigência formalista de que a declaração de hipossuficiência seja apresentada em documento apartado, mesmo quando já inserida na peça processual por advogado com poderes especiais. Tal exigência revela-se desarrazoada e contrária à sistemática do Código de Processo Civil (CPC).

2. A Disposição Legal sobre a Declaração de Hipossuficiência

O artigo 99 do CPC estabelece que a simples declaração de insuficiência de recursos pela parte ou por seu advogado, desde que com poderes especiais, é suficiente para a concessão do benefício da gratuidade:

“Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.”

Ademais, o artigo 105 do CPC confere poderes ao advogado para declarar a hipossuficiência do cliente, desde que esteja munido de poderes especiais:

“Art. 105. A procuração outorgada ao advogado habilita-o a praticar todos os atos do processo, salvo os que exigirem poderes especiais.”

Portanto, é plenamente válida a declaração de insuficiência financeira feita pelo advogado, não havendo necessidade de documento apartado.

3. Precedentes Jurisprudenciais

A jurisprudência tem reafirmado a desnecessidade da declaração apartada, sob pena de perpetuação de um formalismo excessivo e incompatível com a atual processualística brasileira.

Exemplo disso é o julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“GRATUIDADE DE JUSTIÇA. Pessoa natural. Inexistência de elementos que indiquem a possibilidade de custeio. Desnecessidade de declaração de hipossuficiência em documento apartado. Suficiência da alegação formulada pelo advogado. Benefício concedido. (…) Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP – AC: 10280987120198260564 SP 1028098-71.2019.8.26.0564, Relator: Fernando Sastre Redondo, Data de Julgamento: 14/08/2020, 38ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2020)”

Outro precedente relevante é o do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“(…). A DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO NECESSITA SER APRESENTADA EM DOCUMENTO APARTADO DA PETIÇÃO INICIAL. ADEMAIS, O RÉU DECLAROU SER HIPOSSUFICIENTE NA PETIÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 99, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO PROVIDO. (TJ-RJ – AGRAVO DE INSTRUMENTO: 00428732020178190000 201700252558, Relator: Des(a). FABIO DUTRA, Data de Julgamento: 23/01/2018, DECIMA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 1ª CÂMARA CÍVEL), Data de Publicação: 12/07/2018)”

Outro precedente relevante é o do Tribunal de Justiça do Mato Grosso:

(…). A ausência de declaração de hipossuficiência em documento apartado ou por causídico sem poderes específicos para tanto não impede o deferimento do benefício, que pode ser postulado na própria petição inicial, sob pena de se render reverência a um formalismo excessivo, incompatível com o atual estágio da processualística pátria. Embora o art. 100 do CPC/15 admita a impugnação do benefício da gratuidade deferido à parte adversa, incumbe ao impugnante apresentar provas ou elementos indiciários robustos a indicar a alteração da situação econômico-financeira do postulante inicialmente constatada ou a inveracidade da hipossuficiência declarada pelo beneficiado. O simples fato de um dos beneficiários possuir um imóvel registrado em seu nome e de ter arcado com as custas processuais de alguns processos em que litiga não infirma por si só a hipossuficiência declarada. (TJ-MT – AGRAVO DE INSTRUMENTO: 10097984820248110000, Relator: MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Data de Julgamento: 04/09/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/09/2024)

4. O Formalismo Excessivo e a Incompatibilidade com o Atual CPC

A exigência de um documento apartado para a declaração de hipossuficiência é uma interpretação formalista que contraria os princípios da instrumentalidade das formas e da primazia do julgamento do mérito, consagrados no CPC/2015. Como destaca Fredie Didier Jr.:

“O processo civil contemporâneo deve privilegiar a efetividade da prestação jurisdicional, afastando formalismos que não agregam valor à solução do conflito.”

Assim, exigir documento apartado para a declaração de hipossuficiência é incompatível com a sistemática do CPC, que busca garantir a celeridade e a eficácia processual.

5. Conclusão

A exigência de declaração de hipossuficiência em documento apartado revela-se um formalismo exacerbado e injustificado.

O CPC é claro ao permitir que a simples declaração inserida na petição inicial ou em qualquer outra manifestação processual, realizada pelo advogado com poderes especiais, seja suficiente para a concessão do benefício da gratuidade da justiça.

O entendimento jurisprudencial e doutrinário corrobora essa interpretação, afastando a necessidade de um documento apartado e garantindo o acesso à justiça sem entraves meramente formais.

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Gostou do artigo A Desnecessidade da Declaração de Hipossuficiência em Documento Apartado: A Observância ao CPC e o Combate ao Formalismo Excessivo Compartilhe…

Continue lendo outros artigos relacionados:

Doutrina jurídica confirmando que a exigência de nova procuração na maioridade é prescindível e o mandato anterior continua válido.
Artigos Jurídicos

Nova Procuração Maioridade: Uma Exigência Prescindível?

De fato, a exigência de uma nova procuração com a maioridade é um despacho/decisão judicial que, embora rotineiro em certas varas, se revela uma medida processualmente prescindível. Com base em consolidada doutrina jurídica, a determinação

Leia Mais »
Infográfico explicando o art. 10 CPC, a vedação à decisão surpresa e a importância do contraditório
Artigos Jurídicos

Art. 10 CPC: Guia da Vedação à Decisão Surpresa

O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 10 cpc, consagrou expressamente o princípio da vedação à decisão surpresa, um desdobramento fundamental do contraditório participativo. Portanto, compreender este dispositivo é vital para advogados

Leia Mais »
Artigos Jurídicos

Omissão Judicial e Deferimento Tácito da Justiça Gratuita

I. INTRODUÇÃO O acesso à justiça é garantia fundamental, insculpida no art. 5∘, XXXV, da Constituição Federal. Como corolário lógico, a assistência judiciária gratuita é deferida àqueles que comprovadamente não possuem recursos para arcar com

Leia Mais »