Medidas Protetivas da Lei Maria da Penha: Vigência sem Prazo Determinado

Introdução A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representa um marco na proteção dos direitos das mulheres no Brasil, estabelecendo medidas protetivas de urgência para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar. Contudo, ao longo dos anos, surgiu uma controvérsia jurídica sobre a duração dessas medidas: deveriam elas ter um prazo […]

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Sumário

Introdução

A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, representa um marco na proteção dos direitos das mulheres no Brasil, estabelecendo medidas protetivas de urgência para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar.

Contudo, ao longo dos anos, surgiu uma controvérsia jurídica sobre a duração dessas medidas: deveriam elas ter um prazo determinado ou vigorar enquanto persistisse o risco à vítima?

Essa divergência levou à instauração do Tema 1.249 no Superior Tribunal de Justiça (STJ), culminando na uniformização do entendimento sobre o assunto. Este artigo analisa a evolução dessa discussão e os desdobramentos da decisão do STJ.

Divergência Jurisprudencial sobre o Prazo das Medidas Protetivas

Antes da definição do Tema 1.249, os tribunais brasileiros apresentavam entendimentos distintos quanto à duração das medidas protetivas de urgência:

  • Prazo Determinado: Alguns tribunais fixavam prazos específicos para a vigência das medidas, geralmente de 90 ou 180 dias, exigindo renovação periódica. Essa prática, embora visasse garantir a revisão constante da necessidade da medida, impunha à vítima o ônus de reiterar seu pedido de proteção, o que poderia resultar em revitimização.
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  • Prazo Indeterminado: Outros tribunais defendiam que as medidas deveriam perdurar enquanto persistisse o risco à integridade da mulher, sem a fixação de um prazo específico, baseando-se na natureza preventiva e protetiva da medida.
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Essa falta de uniformidade gerava insegurança jurídica e dificultava a efetividade da proteção às vítimas de violência doméstica.

O Tema 1.249 do STJ: Uniformização do Entendimento

Diante da controvérsia, o STJ instaurou o Tema 1.249, sob o rito dos recursos repetitivos, para definir a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha e a possibilidade de fixação de prazo para sua vigência.

Em 13 de novembro de 2024, a Terceira Seção do STJ, por maioria, fixou as seguintes teses:

  1. Natureza Jurídica: As medidas protetivas de urgência têm natureza jurídica de tutela inibitória, não se subordinando à existência de boletim de ocorrência, inquérito policial, processo cível ou criminal.
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  2. Duração: A vigência das medidas vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, devendo ser fixadas por prazo indeterminado.
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  3. Extinção da Medida: O reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento do inquérito policial ou absolvição do acusado não implica, necessariamente, na extinção da medida protetiva, dada a possibilidade de persistência do risco.
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  4. Reavaliação: As medidas não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve ser precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor, e, em caso de extinção da medida, a ofendida deve ser comunicada, conforme o art. 21 da Lei nº 11.340/2006.
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Fundamentação Legal e Doutrinária

A decisão do STJ encontra respaldo na alteração legislativa promovida pela Lei nº 14.550/2023, que incluiu os §§ 5º e 6º ao art. 19 da Lei Maria da Penha:

  • § 5º: As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.
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  • § 6º: As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
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Doutrinadores como Luiz Guilherme Marinoni destacam que a tutela inibitória visa impedir a prática, repetição ou continuação de atos ilícitos, sendo adequada para situações em que se busca prevenir danos futuros.

Assim, a natureza inibitória das medidas protetivas reforça sua vigência enquanto houver risco à vítima.

Implicações Práticas da Decisão

A uniformização do entendimento pelo STJ traz diversas implicações práticas:

  • Proteção Contínua: As vítimas não precisam mais solicitar a renovação periódica das medidas, garantindo proteção contínua enquanto persistir o risco.
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  • Evita Revitimização: Elimina a necessidade de a vítima comparecer repetidamente ao judiciário para manter a proteção, evitando a revitimização.
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  • Segurança Jurídica: Estabelece um padrão uniforme para os tribunais, promovendo maior segurança jurídica e efetividade na aplicação da Lei Maria da Penha.
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Conclusão

A decisão do STJ no Tema 1.249 representa um avanço significativo na proteção dos direitos das mulheres vítimas de violência doméstica, ao reconhecer que as medidas protetivas de urgência devem vigorar enquanto persistir o risco à integridade da vítima, sem a fixação de prazo determinado.

Essa orientação reforça o caráter preventivo e protetivo da Lei Maria da Penha, assegurando uma resposta mais eficaz e sensível às necessidades das vítimas.

É fundamental que operadores do direito estejam atentos a essa jurisprudência vinculante, garantindo sua correta aplicação e promovendo a efetividade das medidas de proteção.

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