Lawfare na Advocacia: Dever de Boa-Fé ou Vitimização?

A discussão sobre lawfare na advocacia tem ganhado contornos preocupantes no cenário jurídico brasileiro. Originalmente conceituado como o uso estratégico do direito para fins de perseguição política ou deslegitimação de um adversário, o termo vem sendo banalizado e, por vezes, distorcido por profissionais que, ao se verem representados em processos judiciais ou disciplinares por suas […]

Uma balança da justiça desequilibrada, ilustrando o conceito de lawfare na advocacia e o abuso do direito.

Sumário

A discussão sobre lawfare na advocacia tem ganhado contornos preocupantes no cenário jurídico brasileiro.

Originalmente conceituado como o uso estratégico do direito para fins de perseguição política ou deslegitimação de um adversário, o termo vem sendo banalizado e, por vezes, distorcido por profissionais que, ao se verem representados em processos judiciais ou disciplinares por suas próprias condutas, alegam ser vítimas de revanchismo.

Este artigo técnico sustenta que a atuação profissional do advogado é balizada por deveres éticos intransponíveis, e o fato de representar a parte contrária em outros litígios não confere um salvo-conduto contra a apuração de irregularidades.

O dever de agir com lisura e boa-fé é a pedra angular da advocacia, e sua violação deve ser coibida, independentemente de quem a denuncie.

A seguir, analisaremos os limites entre a denúncia legítima de uma má conduta profissional e a suposta instrumentalização do direito como forma de ataque, desmistificando a ideia de que a responsabilização por atos antiéticos possa ser convenientemente rotulada como lawfare.

1. A Essência do Lawfare e sua Distorção no Âmbito Forense

É fundamental distinguir o conceito original de lawfare de sua aplicação indevida como tática de defesa.

A confusão entre os dois cenários não apenas enfraquece a denúncia de casos reais de perseguição judicial, mas também serve como um escudo para condutas profissionais inadequadas.

1.1.  que é, de fato, o lawfare?

O termo lawfare designa o uso abusivo e deliberado das leis e dos instrumentos jurídicos como uma arma de guerra não convencional.

Seu objetivo é causar dano reputacional, financeiro e psicológico ao oponente, utilizando o próprio sistema de justiça para fins ilegítimos.

Trata-se de uma manipulação dolosa, em que o processo não busca a justiça, mas a aniquilação do adversário.

1.2. A Banalização do Termo como Estratégia de Vitimização

Em contrapartida, o que se observa em certas situações é a apropriação do termo por advogados que, diante de uma representação junto à OAB ou de uma arguição de litigância de má-fé em juízo, buscam se vitimizar.

Eles alegam que a iniciativa da parte contrária (ou de seu patrono) é mero “revanchismo” ou lawfare na advocacia, uma retaliação por sua atuação combativa em outras causas.

Essa narrativa desvia o foco da questão central: a análise objetiva da conduta do profissional.

Chamada em Destaque: A alegação de “lawfare” não pode servir como escudo para a violação dos deveres de lealdade, boa-fé e veracidade impostos a todo advogado. A denúncia de má conduta é um ato de fiscalização legítimo, e não de perseguição.

2. O Dever de Boa-Fé e a Conduta do Advogado: Pilares Intransponíveis

A advocacia não é uma atividade livre de balizas.

Pelo contrário, ela é estritamente vinculada a um conjunto de deveres que garantem o equilíbrio e a dignidade da Justiça.

Ignorar esses preceitos sob o pretexto de estar sofrendo uma perseguição é inverter a lógica do sistema.

2.1. O Estatuto da Advocacia e o Código de Ética como Bússola

A Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB) é clara ao definir as infrações disciplinares.

O artigo 34, por exemplo, lista condutas como “atuar com dolo ou culpa em prejuízo do cliente” (inciso IX) ou “manter conduta incompatível com a advocacia” (inciso XXV).

De forma ainda mais direta, o Código de Ética e Disciplina da OAB estabelece em seu artigo 2º, parágrafo único, inciso II, que o advogado deve atuar com “veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé“.

Portanto, a análise de uma conduta profissional não se baseia em quem a denunciou, mas no fato em si, à luz das normas cogentes que regem a profissão.

2.2. A Litigância de Má-Fé e o Abuso do Direito

Quando um advogado pratica atos processuais temerários, altera a verdade dos fatos ou usa o processo para conseguir objetivo ilegal, ele incorre em litigância de má-fé, conforme previsto no artigo 80 do Código de Processo Civil.

A parte lesada, por meio de seu advogado, tem o dever de apontar tal conduta ao magistrado.

Trata-se de um claro exercício do direito de fiscalização dos atos processuais, e não de perseguição.

A conduta do advogado que age de má-fé se enquadra, na verdade, no conceito de abuso de direito, definido no artigo 187 do Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

2.3. Precedentes dos Tribunais de Ética da OAB

Os Tribunais de Ética e Disciplina (TED) da OAB em todo o país possuem jurisprudência consolidada sobre a punição a advogados que violam seus deveres.

As decisões raramente se debruçam sobre a “motivação” do denunciante, focando-se, em vez disso, na materialidade e na autoria da infração ética.

Um advogado que, por exemplo, utiliza de subterfúgios para induzir o juízo a erro não pode alegar que a arguição dessa manobra pela parte contrária configura revanchismo.

3. Representar a Contraparte Não Concede um “Salvo-Conduto” Ético

A relação adversarial entre advogados em diferentes processos é inerente à profissão.

Contudo, essa rivalidade processual não pode ser usada como justificativa para tolerar ou ignorar desvios éticos.

3.1. A Imunidade Profissional e Seus Limites

O artigo 7º do Estatuto da Advocacia garante a imunidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício da profissão.

Contudo, o próprio dispositivo ressalva: “nos limites desta lei”.

Essa imunidade, portanto, não é absoluta. Ela não acoberta o dolo, a fraude, o desacato ou a conduta inadequada do advogado que extrapola a defesa de seu cliente para deliberadamente prejudicar o andamento processual ou a honra da parte adversa.

3.2. A Denúncia Legítima de Irregularidades: Dever ou Perseguição?

Quando um advogado identifica que o patrono da parte contrária está cometendo uma infração ética ou um ato de litigância de má-fé, apontar essa irregularidade não é apenas um direito, mas um dever para com a administração da justiça. A omissão, nesse caso, poderia ser interpretada como conivência.

Alegar ser vítima de lawfare na advocacia em tal cenário é uma falácia do espantalho: cria-se um argumento frágil (a suposta perseguição) para desviar a atenção da conduta original, que é o verdadeiro objeto de análise.

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