Introdução
A prática de reaproveitar a mesma procuração em inúmeros feitos ainda ocorre. Contudo, o ordenamento exige instrumento específico e completo. Assim, a chamada procuração “genérica” costuma ser considerada inválida ou ineficaz.
Fundamentos legais essenciais
Código Civil
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Art. 654, § 1º: o mandato particular deve indicar lugar, qualificação das partes, data e, sobretudo, o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes. Logo, ausência de objetivo e de extensão torna o instrumento defeituoso.
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Art. 661: o mandato em termos gerais só confere poderes de administração. Para alienar, transigir, confessar, renunciar, desistir, dar quitação, firmar compromisso e outros, exigem-se poderes especiais e expressos.
Código de Processo Civil
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Arts. 103 e 104: a parte postula em juízo por advogado, e a atuação sem procuração só é admitida excepcionalmente para evitar prejuízos, com posterior regularização.
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Art. 105: a procuração “ad judicia” habilita o advogado para atos do processo, exceto os que demandam poderes especiais. Portanto, generalidades não bastam.
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Art. 76, § 1º: constatada irregularidade de representação, o juiz deve intimar para sanar; descumprida a ordem, seguem-se as consequências processuais.
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Art. 485, IV: a falta de pressuposto processual, como a representação válida, pode levar à extinção sem resolução do mérito.
Normas administrativas
Em São Paulo, o NUMOPEDE e o Comunicado CG n.º 02/2017 (TJSP) recomendam procuração específica por processo, com número do feito, objeto e extensão dos poderes. Desse modo, procurações genéricas ou “reutilizadas” afrontam as diretrizes e o art. 654, § 1º, do CC.
O que é “procuração genérica”
Trata-se de instrumento desvinculado de um caso concreto, muitas vezes sem indicação do processo, do objeto da demanda e da extensão dos poderes. Por isso, ele falha nos requisitos formais e materiais do art. 654, § 1º. Além disso, pode omitir poderes especiais exigidos pelo art. 661 do CC e pelo art. 105 do CPC.
Posição da doutrina
A doutrina majoritária (p.ex., Didier Jr., Theodoro Júnior, Greco e Scarpinella) trata o mandato judicial como negócio jurídico formal e instrumental. Por essa razão, a finalidade e a delimitação dos poderes devem ser claras. Em síntese, “ad judicia” não equivale a carta branca.
Ainda, atos de disposição do direito exigem menção expressa. Portanto, o instrumento genérico se mostra ineficaz para representar em juízo quando não delimita o objeto nem outorga poderes especiais.
Jurisprudência em linhas gerais
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STJ: reconhece que a irregularidade de representação é sanável nas instâncias ordinárias (art. 76 do CPC). Entretanto, nos tribunais superiores, a ausência de mandato válido pode levar ao não conhecimento do recurso (aplicação reiterada da Súmula 115).
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Tribunais estaduais (v.g., TJSP): têm determinado a regularização quando se apresenta procuração genérica usada em vários processos, invocando o art. 654, § 1º, CC e o Comunicado CG n.º 02/2017. Se a parte não corrige, ocorre indeferimento da inicial ou extinção do feito sem julgamento do mérito.
Consequências práticas
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Intimação para emenda da representação (art. 76, § 1º, CPC).
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Indeferimento da petição inicial se a irregularidade comprometer pressupostos e não for sanada (arts. 321 e 330 c/c 485, IV).
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Nulidade de atos praticados sem poderes adequados, sobretudo quando envolvem disposição do direito.
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Risco recursal: recursos podem ser tidos por inexistentes na instância especial sem mandato válido.
Conclusão
Procuração genérica não atende aos requisitos do mandato judicial. Além disso, desrespeita o art. 654, § 1º, do CC, conflita com o art. 105 do CPC e viola diretrizes administrativas.
Em consequência, gera nulidades, retarda o processo e expõe a parte a riscos. Portanto, a solução é simples: mandato específico, completo e com poderes adequados.