A Inexigibilidade de Declaração de Hipossuficiência em Documento Apartado: Reflexões sobre a Atecnia na Prática Jurídica de Magistrados e Advogados

Introdução A concessão de Justiça Gratuita no Brasil é um instituto fundamental para assegurar o acesso à justiça, especialmente para aqueles que não dispõem de condições financeiras para arcar com os custos do processo. A Lei n.º 13.105/2015, que instituiu o atual Código de Processo Civil (CPC), procurou consolidar e facilitar o acesso a esse […]

A Inexigibilidade de Declaração de Hipossuficiência em Documento Apartado: Reflexões sobre a Atecnia na Prática Jurídica de Magistrados e Advogados

Sumário

Introdução

A concessão de Justiça Gratuita no Brasil é um instituto fundamental para assegurar o acesso à justiça, especialmente para aqueles que não dispõem de condições financeiras para arcar com os custos do processo.

A Lei n.º 13.105/2015, que instituiu o atual Código de Processo Civil (CPC), procurou consolidar e facilitar o acesso a esse direito, prevendo a presunção de veracidade da simples afirmação de hipossuficiência.

No entanto, observa-se que, em vários contextos, persiste a exigência de documentos apartados para a declaração de hipossuficiência, o que é resultado de uma interpretação equivocada e excessivamente burocrática da norma processual.

Essa atecnia é frequentemente promovida por alguns magistrados, os quais insistem em desconsiderar a possibilidade conferida pelo artigo 105 do CPC/2015.

Além disso, muitos advogados, mesmo em pleno 2024, ainda adotam a prática de apresentar a declaração de hipossuficiência em apartado, contribuindo para a perpetuação desse formalismo excessivo.

Este artigo visa examinar o erro técnico de se exigir a declaração de hipossuficiência em documento apartado, abordando o papel do advogado, o arcabouço normativo vigente e as implicações práticas para a celeridade e efetividade do processo judicial.

A Hipossuficiência e a Justiça Gratuita no CPC/2015

O direito à gratuidade da justiça é um direito fundamental previsto pela Constituição Federal, especificamente em seu artigo 5º, inciso LXXIV, o qual assegura que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

O CPC/2015 regulamenta essa previsão, determinando, em seu artigo 98, que qualquer pessoa, física ou jurídica, que não tiver condições de pagar as custas do processo pode requerer o benefício da gratuidade.

Já artigo 99, § 3º do CPC/2015, estabelece que a mera afirmação de insuficiência financeira, feita por pessoa natural, é suficiente para assegurar a concessão do benefício da justiça gratuita, salvo prova em contrário. Portanto, a presunção de veracidade da declaração é expressa e clara.

A Declaração de Hipossuficiência pelo Advogado e o Artigo 105 do CPC

O artigo 105 do CPC/2015 é bastante claro ao conferir poderes ao advogado, munido de poderes especiais, para requerer a gratuidade da justiça diretamente na petição inicial, contestação, ou qualquer outra.

A disposição legal não exige que tal declaração seja apresentada em documento apartado, bastando que esteja contida na própria peça processual.

Segue o dispositivo:

“Art. 105. A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público ou particular, habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, exceto os que exigem poderes especiais. […] São poderes especiais para o advogado: VII – afirmar a hipossuficiência da parte e requerer a concessão do benefício da gratuidade de justiça.”

Assim, ao outorgar ao advogado a prerrogativa de declarar a insuficiência de recursos do seu cliente, o legislador teve como objetivo simplificar e tornar mais célere o procedimento.

A exigência de uma declaração em apartado é um exemplo claro de formalismo excessivo e contradiz a própria lógica processual estabelecida no CPC/2015.

A Inexistência de Fundamento Legal para a Exigência de Documento Apartado

A exigência de uma declaração de hipossuficiência em documento apartado não encontra qualquer respaldo no ordenamento jurídico brasileiro.

O CPC/2015, ao conferir ao advogado a prerrogativa de declarar a hipossuficiência diretamente na petição inicial, visa justamente evitar formalismos desnecessários e promover uma maior celeridade processual.

O artigo 99 do CPC/2015, em seu § 2º, estabelece que o pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em qualquer fase processual, sem necessidade de documentação adicional.

Portanto, exigir um documento apartado para a declaração de hipossuficiência não apenas desconsidera a clareza das normas estabelecidas no CPC, mas também cria uma barreira ao acesso à justiça.

Tal exigência é fruto de um formalismo que não possui amparo jurídico e que acaba por retardar a prestação jurisdicional, indo contra os princípios basilares do direito processual.

A Atecnia dos Magistrados e Advogados na Exigência de Declaração em Documento Apartado

Infelizmente, na prática, forense, observa-se a insistência de alguns magistrados em exigir a apresentação de declaração de hipossuficiência em documento apartado, desconsiderando o teor do artigo 105 do CPC.

Tal exigência não apenas revela uma interpretação equivocada da norma, mas também representa um obstáculo ao acesso à justiça.

Da mesma forma, muitos advogados, por hábito ou desconhecimento, continuam a apresentar a declaração de hipossuficiência em apartado, perpetuando esse formalismo sem respaldo.

Essa prática, além de desnecessária, contribui para a sobrecarga burocrática e para a manutenção de um sistema processual que se afasta dos princípios da celeridade e da efetividade.

A exigência de um documento separado, muitas vezes, resulta em maior morosidade, custos adicionais e sobrecarga burocrática às partes, prejudicando especialmente aqueles que buscam o benefício da gratuidade justamente por não disporem de recursos.

Além disso, essa postura atenta contra os princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas, que orientam a prática processual no sentido de evitar formalismos desnecessários.

O Princípio da Economia Processual e a Instrumentalidade das Formas

Os princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas são pilares do direito processual moderno.

Esses princípios orientam que o processo deve ser conduzido de maneira a obter a máxima efetividade com o menor dispêndio de recursos e tempo, desde que os direitos das partes sejam resguardados.

Assim, ao exigir a declaração de hipossuficiência em documento apartado, alguns magistrados contrariam tais princípios, pois burocratizam indevidamente o procedimento.

O CPC/2015 foi claro em estabelecer que a declaração do advogado na própria petição é suficiente, não havendo fundamento jurídico que justifique a imposição de um “plus” documental.

De igual forma, advogados que ainda adotam tal prática também contribuem para um processo mais moroso e oneroso.

Conclusão

A exigência de declaração de hipossuficiência em documento apartado é um exemplo de formalismo que carece de fundamentação jurídica.

O CPC/2015 conferiu ao advogado, devidamente munido de poderes, a possibilidade de requerer a gratuidade da justiça diretamente na petição inicial, sem a necessidade de documentos extras.

Insistir na necessidade de um documento apartado é atecnia que afronta os princípios da celeridade, da economia processual e do amplo acesso à justiça.

Portanto, é essencial que a comunidade jurídica, especialmente os magistrados e advogados, compreendam que o direito processual civil contemporâneo visa à efetividade e à simplificação dos atos, e não à imposição de barreiras formais sem respaldo legal.

A flexibilização das exigências documentais, dentro dos limites impostos pela lei, é uma forma de garantir que o processo cumpra seu papel de promover a justiça de maneira acessível e eficiente.

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