A Igualdade entre Genitores no Dever de Sustento dos Filhos: Uma Análise Técnico-Jurídica

Este artigo visa explorar, com base em dispositivos legais, doutrina e jurisprudência, a obrigação mutua e proporcional dos genitores em garantir a subsistência dos filhos, destacando a importância da proporcionalidade e da adequação às necessidades e capacidades de cada parte envolvida. 1. Da Igualdade (proporcionalidade) e o Binômio Necessidade-Possibilidade A igualdade entre os genitores no […]

Sumário

Este artigo visa explorar, com base em dispositivos legais, doutrina e jurisprudência, a obrigação mutua e proporcional dos genitores em garantir a subsistência dos filhos, destacando a importância da proporcionalidade e da adequação às necessidades e capacidades de cada parte envolvida.

1. Da Igualdade (proporcionalidade) e o Binômio Necessidade-Possibilidade

A igualdade entre os genitores no dever de sustento dos filhos é um princípio fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, consagrado tanto na Constituição Federal quanto no Código Civil.

O art. 226, § 5º, da Constituição Federal estabelece que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Já o art. 227 determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, entre outros.

No âmbito infraconstitucional, o art. 1.568 do Código Civil impõe aos cônjuges a obrigação de concorrer, na proporção de seus bens e rendimentos, para o sustento da família.

Ademais, o art. 1.694, § 1º, do mesmo diploma estabelece que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.

Assim, a proporcionalidade assegura que ambos os genitores contribuam de maneira equitativa, respeitando as possibilidades financeiras de cada um.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. 22, reforça a obrigatoriedade do dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, conferindo igual responsabilidade a ambos os genitores.

Jurisprudencialmente, este princípio é reforçado em várias decisões. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) decidiu que “a necessidade do filho menor de idade na percepção dos alimentos é presumida, devendo os alimentos ser fixados de acordo com as despesas inerentes a sua faixa etária e de acordo com o padrão de vida dos seus pais, incumbindo a ambos os genitores o dever de sustento, na proporção da respectiva capacidade econômica” (TJMG – Apelação Cível 1.0000.21.074076-7/001, Relator (a): Des.(a) Carlos Henrique Perpétuo Braga, 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/07/2021, publicação da sumula em 06/ 07/ 2021).

Em decorrência, tal dever se desdobra em contribuição pecuniária (em espécie) e prestação in natura (diretamente).

2. Classificação das Despesas e sua Administração

2.1 Despesas Ordinárias

São aquelas de caráter habitual e previsível, contempladas na fixação dos alimentos em pecúnia, incluindo:

  • Moradia;
  • Saúde (médica e odontológica);
  • Educação (mensalidade, material escolar e uniforme);
  • Alimentação;
  • Vestuário (roupas, calçados, etc);
  • Lazer (brinquedos e eventos).

2.2 Despesas Extraordinárias

Caracterizam-se pelos gastos não habituais e imprevisíveis, como atendimento médico de urgência fora do convênio, atividades de educação eventuais, transitorias e extracurriculares, desde que com anuência do outro genitor.

Em regra, não são consideradas quando da fixação dos alimentos, e sua divisão deve ocorrer proporcionalmente à capacidade financeira de cada genitor, conforme previsto nos arts. 1.694, § 1º, e 1.703 do Código Civil, sendo de toda necessaria a demonstração de forma indene de dúvidas, de sua imprescindibilidade e relação direta com o melhor interesse do alimentado, sendo desejável a concordância do genitor não administrador, eis que, somente por decisão judicial poderia estar obrigado a responder por sua cota-parte.

3. Da Administração dos Recursos e Malversação

Ao genitor administrador cabe a boa e correta administração dos recursos recebidos em nome do menor, vedando-se a malversação desses valores.

O uso dos alimentos deve se restringir às necessidades do incapaz, evitando-se:

  • Aquisição de serviços disponíveis gratuitamente pelo poder público;
  • Assunção de compromissos além dos alimentos recebidos;
  • Utilização dos recursos para finalidades alheias ao interesse do alimentado;
  • Agendamento deliberado de compromissos em horários de convivência com o outro genitor.

Nossos tribunais já decidiram pela possibilidade de alteração na forma do auxilio, de pecúnia para in natura em razão da comprovação da malversação:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. BINÔMIO NECESSIDADE – POSSIBILIDADE. REDUÇÃO. Tendo o alimentante comprovado a rescisão do contrato de trabalho, devem ser reduzidos os alimentos fixados em primeiro grau, a fim de adequá-los ao binômio necessidade-possibilidade de que trata o § 1º do art. 1.694 do Código Civil. É possível determinar a prestação dos alimentos in natura quando demonstrada a má administração da pensão alimentícia pela detentora da guarda. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-MG – AC: 10145073913090001 Juiz de Fora, Relator: Albergaria Costa, Data de Julgamento: 05/08/2010, Câmaras Cíveis Isoladas / 3ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 31/08/2010)

4. Da Prestação de Contas

O art. 1.589 do Código Civil prevê a possibilidade de prestação de contas em casos de indícios de malversação. Contudo, conforme entendimento do TJ-SP:

“A supervisão e fiscalização do bem estar dos filhos deve ser realizada de forma global e não aritmética” (TJ-SP – Apelação Cível: 10004374020248260048).

O que significa dizer que, a comprovação aritmética no pagamento de consulta médica por si só não implica em boa administração da verba alimentar, quando o administrador opta por pagar por ela, quando poderia se utilizar do convenio médico sem qualquer custo, traduzindo-se em malversação.

Ilustrando:

PRESTAÇÃO DE CONTAS – (…) – Supervisão e fiscalização do bem estar dos filhos que deve ser realizada de forma global e não aritmética – Má administração pela genitora que pode gerar a modificação da guarda ou a perda do pátrio poder, mediante ação própria – Apelo desprovido. (TJ-SP – Apelação Cível: 10004374020248260048 Atibaia, Relator: Galdino Toledo Júnior, Data de Julgamento: 06/12/2024, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/12/2024)

Agravo de Instrumento – Ação de Prestação de Contas – Ação proposta pelo alimentante em face da guardiã que detém a guarda do filho – Primeira fase – Insurgência contra decisão que acolheu o pedido determinando a prestação de contas pela recorrente – Tese de malversação dos valores pagos – Existência de indícios – Dever de prestar contas é inerente a administração da verba alimentar – Decisão mantida – Recurso improvido. (TJ-SP – AI: 22094049120228260000 SP 2209404-91.2022.8.26.0000, Relator: Luiz Antonio Costa, Data de Julgamento: 07/10/2022, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/10/2022)

5. Conclusão

A igualdade entre os genitores na prestação de alimentos é um princípio constitucional que se materializa através da proporcionalidade das obrigações e da correta administração dos recursos.

A má gestão dos alimentos pode ensejar tanto a modificação da forma de prestação quanto a necessidade de prestação de contas, sempre visando o melhor interesse do alimentado.

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