A fronteira entre a defesa combativa e a infração ética tornou-se tênue na era digital. Recentemente, o Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB/SP reafirmou uma diretriz importante. O Tribunal entende que utilizar conversas de WhatsApp entre advogados em peças processuais, sem autorização expressa, constitui infração disciplinar grave.
Primeiramente, precisamos entender que a facilidade tecnológica não revoga deveres deontológicos. Muitos profissionais utilizam essa prática na tentativa de comprovar a ciência inequívoca de atos processuais.
Ou ainda, buscam demonstrar a má-fé da parte adversa. Contudo, tal ato viola frontalmente a lealdade e o sigilo profissional. Portanto, este artigo analisa os fundamentos dessa vedação e os impactos práticos para a classe.
Fundamentos: Por que proibir o vazamento de conversas?
A proteção às conversas de WhatsApp entre advogados não é um privilégio pessoal.
Na verdade, ela é uma garantia da administração da Justiça.
O sigilo profissional figura como um imperativo de ordem pública.
Ele visa resguardar a confiança necessária para a realização de acordos e tratativas extrajudiciais.
Nesse sentido, o Código de Ética e Disciplina (CED) e o Estatuto da Advocacia são taxativos.
Assim, a conduta de expor diálogos reservados fere múltiplos dispositivos legais:
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Violação de Sigilo (Art. 27 do CED): O advogado não pode revelar confidências epistolares e comunicações entre patronos, nem utilizá-las em juízo.
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Dever de Urbanidade (Art. 31 e 35 do CED): O profissional deve proceder com lhaneza e respeito. O código veda a utilização de “esperteza” ou deslealdade processual.
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Imunidade Profissional: A prerrogativa não serve de escudo para a exposição indevida de estratégias discutidas em ambiente privado.
Consequentemente, a violação desses preceitos desestabiliza a harmonia entre os pares.
Além disso, ela inviabiliza a advocacia consensual e prejudica a celeridade processual.
Jurisprudência sobre conversas de WhatsApp entre advogados
A jurisprudência dos Tribunais de Ética condena de forma uníssona o uso de “armadilhas” digitais.
O TED da OAB/SP consolidou o entendimento sobre o tema.
Para o Tribunal, a juntada de prints de conversas de WhatsApp entre advogados traduz uma atitude desleal intolerável.
A propósito, vale destacar as ementas abaixo. Elas servem como paradigma para casos recentes:
EMENTA: INFRAÇÃO ÉTICA. JUNTADA DE ÁUDIO E CONVERSA DE WHATSAPP ENTRE ADVOGADOS. VIOLAÇÃO DE SIGILO. A utilização de conversas mantidas entre patronos, sem autorização, viola o dever de urbanidade e o sigilo profissional. A única exceção admissível é a utilização para defesa de prerrogativas do próprio advogado, e não para instrução probatória de interesse do cliente. Pena de censura convertida em advertência por circunstância atenuante. (OAB/SP, TED, Proc. Disciplinar 17.0000.2023.012586-4, Julg. 2024.)
EMENTA: EXERCÍCIO PROFISSIONAL. UTILIZAÇÃO EM JUÍZO DE MENSAGENS TROCADAS COM O ADVOGADO DA PARTE CONTRÁRIA. INFRAÇÃO ÉTICA. “A juntada em processo judicial de mensagens trocadas entre colegas por WhatsApp ou qualquer outro meio eletrônico, sem o conhecimento e/ou autorização do outro colega, na tentativa de convencer o Juiz sobre a sua tese, configura desrespeito aos deveres de urbanidade, lealdade, sigilo e afronta a dignidade da profissão.”(Proc. E-5.817/2021 – v.u., em 28/04/2022, Rel. Dra. Marcia Dutra Lopes Matrone.)
A única exceção admissível seria a utilização para defesa de prerrogativas próprias do advogado.
Jamais deve-se usar o material para instrução probatória de interesse exclusivo do cliente.
Estudo de Caso: O perigo da “esperteza” na advocacia
Para ilustrar a gravidade do tema, analisamos um caso prático recente levado ao TED.
Em uma disputa de Direito de Família, uma advogada utilizou conversas de WhatsApp entre patronos.
Ela tentou provar que a parte contrária já tinha ciência da restrição antes mesmo da intimação oficial.
No caso em tela, a advogada juntou prints nos autos. Neles, ela ameaçava “anunciar o descumprimento da medida” caso o pai não saísse de um grupo escolar.
Ela baseou-se inteiramente em diálogos informais com o patrono do ex-marido.
Ocorre que o advogado da outra parte sequer possuía habilitação nos autos naquele momento. Tampouco havia recebido intimação formal.
Dessa forma, a representação classificou a tentativa de usar o diálogo privado como “esperteza” e “atitude desleal”.
O uso dessas mensagens falhou em provar o descumprimento legal, pois a validade da medida depende de intimação regular.
Ademais, a conduta gerou um processo ético-disciplinar contra a causídica por violação de sigilo.
Conclusão
Em suma, a tecnologia agiliza o Direito, mas não revoga a Ética.
Devemos banir da rotina forense a juntada de conversas de WhatsApp entre advogados como meio de prova.
Tal prática desrespeita o sigilo profissional e a urbanidade.
Por fim, o advogado deve orientar seu cliente de que nem tudo que é “útil” é “lícito”.
A preservação do canal de comunicação entre patronos mostra-se vital para a dignidade da Justiça.
O mérito jurídico deve garantir a vitória processual, e não a exploração da confiança depositada pelo colega adversário.


